2ND ENERGY AND WATER INNOVATION & TECHNOLOGY TRADE SHOW

25 → 26 SETEMBRO 2024 . EXPONOR PAVILHÃO 4. FEIRA INTERNACIONAL DO PORTO

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Jorge Cardoso Gonçalves

Presidente da APRH – Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos

“A gestão da água deverá assentar numa visão integrada”

Uma visão integrada que considere desafios ambientais, demográficos, sociais, económicos, territoriais e climáticos é necessária na gestão da água, segundo Jorge Cardoso, Presidente da APRH. Em entrevista à ENERH2O Notícias, refere ainda que é preciso repensar a forma como usamos este recurso e promover a “educação para a água”.

Nos últimos anos, as situações de seca severa e extrema têm sido cada vez mais habituais em Portugal continental, assim como em muitas outras partes do mundo. Neste contexto, podemos afirmar que a água é o recurso mais afetado pelas alterações climáticas?
Jorge Cardoso (JC): Globalmente, têm sido diversos os alertas sobre a “crise da água”. Uma evolução não planeada, uma gestão não adaptativa e um contexto desfavorável, poderão acentuar o desequilíbrio entre necessidades (procura) e disponibilidades (oferta), aumentando a pressão sobre os recursos e precipitando uma “crise da água” em Portugal, na Europa e no Mundo. A gestão da água, recurso particularmente vulnerável em contexto de adaptação climática, deverá assentar numa visão integrada, considerando desafios ambientais, demográficos, sociais, económicos, territoriais e climáticos.

Com a crescente escassez de água, importa promover uma utilização eficiente a todos os níveis. Na sua opinião, os consumidores portugueses estão sensibilizados e fazem um uso adequado deste recurso? O que pode e deve ser feito para melhorar? 
JC: Por vezes, apenas em cenários de escassez se reconhece o “valor da água”. Quantas vezes abrimos a torneira e não tivemos água? Portugal está globalmente infraestruturado com redes de abastecimento de água e a percentagem de água segura em Portugal Continental é de cerca de 99%, considerado um valor de excelência: sabemos quanto vale esse acesso a água segura, em termos de saúde pública, de igualdade e de justiça? Existe a necessidade de repensar a forma como usamos a água e de promover a “educação para água”.
A redução do consumo de água nas habitações tem uma componente comportamental e outra infraestrutural. Poderá passar pelas nossas escolhas e pela adequação dos nossos hábitos, com pequenos cuidados no nosso quotidiano. Nos sistemas prediais de distribuição de água, deverá procurar-se combater as ineficiências hídricas e energéticas, adequar os sistemas construídos, reduzir o consumo de água potável e escolher equipamentos tendo em conta a sua eficiência hídrica.

No atual cenário, acha que os recursos hídricos disponíveis são suficientes para garantir a sustentabilidade do nosso sistema de abastecimento de água e fazer face às necessidades?
JC: Em Portugal, à exceção de situações pontuais, o abastecimento urbano encontra-se estruturado e existem infraestruturas que, sendo geridas de forma robusta, asseguram que a seca não chega às nossas torneiras. No entanto, existe a necessidade de repensar a forma como usamos a água e de promover a “educação para a água”. As mensagens “viver com menos água” e “viver com outra água” (não potável para usos compatíveis) deverão chegar às pessoas.
A estratégia poderá passar por repensar a forma como usamos a água (preservar o recurso a partir da nossa torneira), por reduzir as perdas de água nos sistemas urbanos, na indústria e na agricultura e por reutilizar as águas residuais para fins não potáveis, por aproveitar as águas pluviais e/ou promover a sua infiltração, por explorar e apostar (com viabilidade económica e ambiental) em novas origens (por exemplo, o mar), por encurtar as cadeias de abastecimento (produzir e consumir localmente), e por planear, colocando na equação a “bomba relógio” da não renovação de infraestruturas hidráulicas que começam a atingir o seu tempo de vida.

Fala-se cada vez mais em reaproveitamento, que em Portugal ainda não é muito comum. O que falta fazer para que consigamos regenerar e reutilizar toda a água? 
JC: O contexto atual torna necessária uma mudança de mentalidade em relação ao uso da água, que deverá ser uma prioridade e uma aposta assertiva dos diferentes decisores e intervenientes. Vamos continuar a utilizar água potável para fins não potáveis? A regar com a mesma água que bebemos? A ter autoclismos alimentados por água potável? A lavar as ruas com a mesma água que abastece as nossas casas?
Nas redes prediais, a aposta poderá passar por sistemas de aproveitamento de águas pluviais e cinzentas, através da recolha diferenciada, tratamento e reutilização de águas residuais cinzentas, e da retenção e aproveitamento de águas pluviais. Estas soluções de controlo na origem possibilitam a redução de volumes afluentes às redes de drenagem e aos sistemas de tratamento de águas residuais, com ganhos energéticos e de processo (por exemplo, regentes).
Nas redes públicas, a utilização de águas residuais tratadas e o aproveitamento de águas pluviais, promovendo uma lógica circular e de combate a ineficiências energéticas, são apostas em “novas origens” que se enquadram na mensagem “viver com outra água”. A reutilização de água para lavagem de arruamentos/equipamentos, para regas e para alimentar redes diferenciadas de água não potável são caminhos a percorrer.

A tecnologia pode ter um papel importante numa gestão mais eficaz dos recursos disponíveis. Quais os desafios que enfrenta Portugal neste campo?
JC: A gestão musculada dos serviços de águas, em particular do abastecimento público, deverá incorporar uma visão holística e integrada, que atenda aos desafios de eficácia, de eficiência hídrica e energética, de robustez e de segurança. A tecnologia é crucial para facultar as ferramentas necessárias para o desenho e operacionalização de medidas.
As medidas a implementar necessitam de suporte técnico, de investimento na reabilitação e reforço de infraestruturas, da aposta em inovação e tecnologia, e do envolvimento e compromisso de todos: instituições, entidades gestoras de serviços de águas e consumidores.
Em relação a novos desafios, posso destacar o caso específico da produção de energia nos sistemas de abastecimento de água (hidrogeração). Materializada pela instalação de microturbinas nas condutas de água, esta solução possibilita a recuperação dos desníveis energéticos em sistemas de abastecimento de água para produção de “energia elétrica limpa”, sem consumo de recursos e utilizando um sistema produtor onde parte das componentes já se encontram instaladas. Necessita-se apenas de as adaptar para a produção de eletricidade, sem prejudicar a sua função principal (transporte de água), que continua assegurada.

Que novidades tecnológicas têm influenciado a gestão das águas residuais?
JC: Na gestão das águas residuais, em particular nos sistemas construídos e em constante envelhecimento, destaco tecnologias associadas à monitorização (caudais, volumes, qualidade da água, precipitação), ao controlo (afluências indevidas, descargas não programadas) e ao tratamento de dados, bem como as evoluções tecnológicas associadas às inovadoras análises preditivas.
Da perspetiva das “novas” soluções circulares, refiro as tecnologias associadas a soluções de controlo na origem (reutilização de águas cinzentas e aproveitamento de águas pluviais nas redes prediais), ao processo de tratamento (por exemplo, MBR), à valorização de lamas, e à produção de energia nos sistemas de drenagem e nas ETAR.

A Inteligência Artificial (IA) está a trazer novos desafios, mas também muitas possibilidades e soluções. De que forma julga que a IA pode influenciar nesta gestão?
JC: A gestão otimizada de infraestruturas hidráulicas e o incremento da eficiência hídrica e energética encontram-se particularmente relacionados com a informação. A evolução tecnológica dos sistemas de monitorização e controlo das infraestruturas (redes, equipamentos, elementos acessórios) tem inerente uma elevada quantidade de dados (big data), gerados de forma automática e contínua. A Inteligência Artificial poderá ter um papel importante no tratamento de dados e na sua conversão em informação útil à tomada de decisão, tornando-a menos reativa e mais sustentada.
A implementação de procedimentos padronizados para antecipar/detetar eventos que perturbem o normal funcionamento dos sistemas, recorrendo a IA poderá tornar os sistemas mais robustos e seguros.

Olhemos para a forma como a água é encarada a nível dos mercados. Como vê a negociação da água como commodity, com cotação em bolsa?
JC: A água, essencial à vida e “o princípio de todas as coisas”, tem um valor económico – permitindo o desenvolvimento de diversas atividades económicas (por exemplo, agricultura, produção de energia, indústria e turismo), ambiental – assegurando a existência dos ecossistemas, e social – sendo fundamental para as pessoas, para a saúde pública e para a igualdade. Por isso, a sua gestão deverá ser criteriosa e pautar-se por metas de eficiência exigentes e ambiciosas.
Quando estamos longe de “garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos” (Objetivo do Desenvolvimento Sustentável da ONU), penso que a perspetiva de um mundo cooperativo deve procurar responder a questões relacionadas com a universalidade, com a acessibilidade e com a igualdade no acesso a água segura. Quão distantes estão as mulheres e crianças que gastam horas do seu dia para ter acesso à água (muitas vezes sem qualidade)? Esta e outras questões colocam a discussão mais no plano do “direito à água” e menos no da “negociação da água”.

A Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH) funciona como uma plataforma científica e técnica para muitos profissionais do setor dos recursos hídricos. Fale-nos um pouco dos seus objetivos e das atividades que desenvolve.
JC: A Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos é uma associação científica e técnica, sem fins lucrativos, que conta com mais de 45 anos de história. Ao longo dos anos, a APRH tem sido um ponto de encontro para profissionais de diversas formações e campos de atividade, procurando estar próxima da sociedade civil, contribuir para disseminação de conhecimento e apoiar a gestão dos Recursos Hídricos. Os objetivos estatutários da APRH são:
• A promoção do progresso do conhecimento e a discussão dos problemas relativos aos recursos hídricos nos domínios do planeamento, da gestão, do desenvolvimento, da administração, da ciência, da tecnologia, da investigação e do ensino;
• A dinamização e o apoio a iniciativas que contribuam para a cooperação e para o diálogo entre os diferentes intervenientes, com vista à resolução dos problemas existentes no domínio dos recursos hídricos;
• A participação em ações de divulgação dos princípios fundamentais de uma política adequada à gestão dos recursos hídricos;
• A colaboração com associações congéneres e a dinamização da participação portuguesa em programas internacionais, no domínio dos recursos hídricos com interesse para o país.

Enquanto plataforma de profissionais e de conhecimento, têm certamente uma palavra a dizer sobre as atuais políticas para o setor. Que medidas regulamentares ou legislativas advogam?
JC: Os objetivos estatutários da APRH evidenciam a mobilização da associação para contribuir para disseminação de conhecimento e para apoiar a gestão dos Recursos Hídricos, nas diversas dimensões (sociais, ambientais e económicas) da governança da água, segundo uma abordagem holística e integrada.
Portugal, Estado-Membro da União Europeia, dispõe de legislação, regulamentação e planos estratégicos robustos. Abordando o exemplo do Plano Nacional de Uso Eficiente da Água (PNUEA), este inclui um conjunto de medidas estruturadas para diferentes cenários de escassez hídrica, que permitem preparar uma resposta em contexto de seca. Destacaria a necessidade de operacionalizar o plano, traduzindo-o em medidas práticas e de implementação eficaz na redução dos consumos de água e no combate às perdas/ineficiências.

Certamente que as vossas propostas congregam o pensamento de quem representam. Quem são e qual o perfil dos vossos associados? 
JC: A APRH é uma associação científica e técnica cuja atuação se pauta pelo rigor, pela independência, pela diversidade de pensamento e pela pluralidade dos seus associados individuais (profissionais de diversas formações e campos de atividade) e coletivos (instituições, empresas, institutos, câmaras municipais).

Quais são as principais preocupações dos vossos associados que gostaria de realçar?
JC: A APRH procura estar próxima dos seus associados e, envolvendo-os, contribuir de forma construtiva para a gestão dos recursos hídricos. Neste contexto, poderá desempenhar um importante papel na discussão dos desafios globais (adaptação climática, escassez de água, acesso a água segura), na promoção de ações relacionadas com a gestão do ambiente e dos recursos hídricos, e na reflexão segundo uma lógica integrada e circular.

A APRH vai estar presente na ENERH2O 2023, em setembro. Como será a vossa participação?
JC: A APRH terá o gosto de estar presente na ENERH2O 2023, promovendo uma sessão intitulada “Água: que futuro?”, com um keynote speaker e uma mesa-redonda com diversos oradores convidados. Nesta sessão, pretende-se debater diversos temas relacionados com o futuro da Água, nomeadamente adaptação climática, resposta a eventos extremos, gestão da escassez de água, inovação, desenvolvimento e tecnologia na gestão dos recursos hídricos. A associação terá ainda um espaço (stand) onde será possível conhecer os seus projetos, estabelecer contactos e explorar sinergias.

De que forma eventos como a ENERH2O são necessários e podem contribuir para o setor?
JC: A capacitação do setor da água, através da realização de eventos como a ENERH2O, contribuem para a divulgação de informação, para a reflexão e para a discussão sobre os assuntos de atualidade nos diferentes domínios da água, contribuindo ativamente para promoção do conhecimento técnico-científico e para a aproximação dos diferentes stakeholders.