Emanuel Correia
Country Manager da ACCIONA em Portugal
“Investigação e inovação” essenciais “para tornar a dessalinização uma alternativa cada vez mais sustentável”
“A ACCIONA é uma empresa com enorme experiência em dessalinização por osmose inversa. Foi das primeiras empresas, há cerca de 30 anos, a aplicar este tipo de tecnologia para produzir água potável a partir de água salgada e de água salobra.” Falámos com Emanuel Correia, Country Manager da ACCIONA em Portugal sobre desafios tecnológicos, eficiência energética e os atuais projetos da empresa, entre outros temas.
As novas tecnologias são fundamentais para a evolução e eficiência do tratamento de águas. Quais os principais desafios em termos tecnológicos e de I&D que se colocam à área de negócio da água da ACCIONA?
Emanuel Correia (EC): Todos os projetos em que a ACCIONA participa estão alinhados com a estratégia do Plano Diretor de Sustentabilidade, onde a descarbonização, a economia circular, o desenvolvimento de infraestruturas sustentáveis e o impacto positivo no planeta são os eixos principais. Neste sentido, as linhas estratégicas de I&D para cada uma das áreas principais (dessalinização, potabilização, depuração e reutilização) contemplam a minimização dos consumos energéticos, a utilização de energias renováveis, a recuperação e valorização dos recursos e a inovação digital.
Na ACCIONA, a investigação e a inovação consideram-se chave para tornar a dessalinização uma alternativa cada vez mais sustentável (ecológica e economicamente) para obter água em tempos de escassez. Para tal, conta com um departamento de inovação apoiado no seu Centro Tecnológico da Água, localizado em Barcelona, onde existem permanentemente unidades de ensaio. Conta também com estações piloto instaladas em diversas dessalinizadoras, em particular na de São Pedro de Pinatar, em Múrcia. Nestas instalações piloto aplicam-se e validam-se as inovações desenvolvidas pelo Centro Tecnológico. É desta forma que se verifica o seu funcionamento e resultados obtidos antes de se passar a fase de implementação à escala real.
Como tem sido a evolução do processo de dessalinização e que respostas vêm surgindo para aumentar a sua eficiência energética?
EC: A ACCIONA é uma empresa com enorme experiência em dessalinização por osmose inversa. Foi das primeiras empresas, há cerca de 30 anos, a aplicar este tipo de tecnologia para produzir água potável a partir de água salgada e de água salobra. Naturalmente, nessa época, o consumo específico de energia para produzir um metro cúbico de água potável era superior ao que se verifica atualmente. A redução do consumo energético específico tem vindo a conseguir-se essencialmente através de quatro medidas, sendo elas a melhoria ao nível das possíveis configurações para as etapas de pré-tratamento; a melhoria da taxa de conversão das membranas; a evolução dos sistemas de recuperação de energia, que anteriormente eram mediante turbinas e hoje é feito mediante ERI (energy recovery pressure exchanger) e também à custa da melhoria do rendimento dos motores elétricos e da eficiência hidráulica das bombas de alta pressão. Atualmente já se consegue produzir água dessalinizada com consumos energéticos inferiores a 3,0 kWh/m3.
A dessalinização implica a eliminação dos sais minerais existentes na água. Como é feita a gestão da salmoura proveniente deste processo pelas centrais da ACCIONA?
EC: A dessalinização de água do mar é um processo que separa os sais minerais da água. Em números redondos, por cada (dois) 2m3 que entram no sistema de produção de água por osmose inversa, produz-se (um) 1m3 de água dessalinizada e (um) 1m3 de água com o dobro da concentração de sais comparativamente com a água do mar. Ultimamente, em Portugal, têm surgido algumas questões relativamente à gestão da salmoura. No entanto, a descarga da salmoura no meio recetor (mar) é tecnicamente controlável e não causa impacto no meio ambiente. Em função do local e das condições de descarga, é dimensionado o emissário com comprimento adequado e várias saídas distribuídas, fazendo com que a salmoura se disperse, misturando-se rapidamente na água do mar, reduzindo-se de imediato o gradiente de concentração de sais, não afetando o ecossistema marinho. À cerca deste assunto existem vários estudos, realizados por entidades credenciadas que demonstram que o impacto da salmoura é nulo.
Como responsável da área de negócio da água da ACCIONA Portugal, como vê o futuro do tratamento da água no país, no contexto da emergência climática?
EC: A emergência climática obriga naturalmente a repensar a forma como as águas são tratadas, atendendo a uma escassez cada vez maior deste bem. Nas zonas de maior escassez, é evidente que o reaproveitamento das águas residuais tratadas tem de ser uma prioridade. Não faz sentido não aproveitar estas águas, após o devido tratamento para usá-las em fins compatíveis. Várias empresas públicas estão já a desenvolver os estudos necessários e a lançar os respetivos concursos para implementarem soluções de tratamento e aproveitamento destas águas.
Nos últimos anos, a água passou a ser vista como um produto financeiro. Como vê a negociação deste recurso em bolsa?
EC: É uma situação ainda bastante recente e localizada. A água é um bem essencial e deve estar disponível para todos. Eventualmente nalgumas regiões do mundo onde se verifiquem períodos de seca cada vez mais longos e que esteja implementada localmente uma cultura de uso de água intensiva (agricultura, indústria) possa fazer algum sentido assegurar o preço futuro da água. Pessoalmente penso que este não será o caminho mais correto. Cada região, cada país tem as suas necessidades de água e está sujeito a condições ambientais especificas e políticas. Cabe a cada região implementar as melhores práticas de utilização deste recurso, incentivando ao seu uso cada vez mais eficiente e sustentável, coisa que o mercado de futuros não faz.
A ACCIONA tem como objetivos estratégicos a sustentabilidade e o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. Acredita que o consumidor português compartilha e valoriza esta sensibilidade ambiental da empresa?
EC: O pequeno consumidor ou o consumidor doméstico penso que ainda não valoriza estes objetivos, mas os grandes consumidores industriais seguramente que sim. Estas empresas partilham destes objetivos e o uso sustentável da água é cada vez mais uma maior preocupação para os grandes consumidores.
Ainda neste âmbito, o que pretendem quando se referem a “bom uso, conservação e renovação da água”?
EC: Referimo-nos exatamente ao uso equilibrado e racional deste recurso, reutilizando-o sempre que possível, mantendo o foco na procura de soluções que otimizem a eficiência da sua utilização.
Que conselho daria às indústrias portuguesas que ainda utilizam quantidades consideráveis de água nos seus processos produtivos?
EC: Muitas das indústrias, em particular as de maior dimensão, estão já a estudar quer formas de reduzir os consumos, quer a possibilidade de reutilizar parte da água usada nos seus processos. As indústrias portuguesas que mais consomem água no seu processo produtivo estão preocupadas com a sustentabilidade do recurso e com a forma como usam esse recurso. Não é aceitável que no mundo empresarial se continue a extrair água dos aquíferos quando existe viabilidade de estudar e implementar a reutilização de parte da água consumida. As empresas que valorizam o recurso, que procuram fontes de água alternativa, que aplicam políticas e esforços de redução dos consumos são economicamente mais valorizadas pelos seus acionistas
A terminar, pode falar-nos dos atuais projetos e objetivos da área de negócio da água da ACCIONA em Portugal?
EC: A área de negócio da água da ACCIONA está presente em Portugal desde 1998, apresentando soluções sustentáveis para todas as etapas do ciclo da água. O crescimento e posicionamento no mercado português tem sido consistente e a um ritmo que nos permite a estabilidade e viabilidade da empresa. A ACCIONA pretende ser uma referência nacional no que diz respeito à gestão do ciclo da água. Ser referência significa estar presente nos projetos emblemáticos e inovadores ao nível dos tratamentos e soluções propostas. Um dos maiores projetos que temos em curso atualmente, com a Águas do Algarve, é a operação e manutenção de todo o sistema de saneamento da zona nascente do Algarve, que engloba cerca de 44 ETAR e 72 estações de bombagem. Outro projeto bastante interessante que temos em curso é a construção da nova ETAR de Troia que utiliza a tecnologia MBR (membrane bioreactor) para que toda a água tratada possa ser reutilizada na rega dos espaços verdes e campos de golf desta península. No que diz respeito a projetos futuros estamos muito focados na área da dessalinização, que irá arrancar em Portugal continental brevemente, e também nos projetos de reutilização de água residual.